Aproxima-se a passos largos a canonização de
Nuno Alvares .
Temos o que nos coube em sorte, como nação. A canonização de um beato é um assunto sério e um processo complexo dentro da Igreja, a ponto de só poder ser tratada pela
Santa Sé em si, por uma comissão de altos membros e com a aprovação final do
Papa. Canonização é a confirmação final da Santa Sé para que um Beato torne-se Santo. Só o Papa tem a autoridade de conceder o status de Santo.
O
Código de Direito Canônico da Igreja, no seu can. 1186 estabelece: "Para fomentar a santificação do povo de Deus, a Igreja recomenda à veneração peculiar e filial dos fiéis a Bem-aventurada sempre
Virgem Maria, Mãe de Deus, que Jesus Cristo constituiu Mãe de todos os homens, e promove o verdadeiro e autêntico culto dos outros Santos, com cujo exemplo os fiéis se edificam e de cuja intercessão se valem." e, ainda no art. 1187: "Só é lícito venerar com culto público os servos de Deus, que foram incluídos pela autoridade da Igreja no álbum dos Santos ou Beatos."
De usa vez a Constituição Apostólica
Divinus perfectionis Magister de
João Paulo II, estabelece as normas para a instrução das causas de canonização e para o trabalho da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos. Nela é afirmado: "A Sé Apostólica, (...) propõe homens e mulheres que sobressaem pelo fulgor da caridade e de outras virtudes evangélicas para que sejam venerados e invocados, declarando-os Santos e Santas em ato solene de canonização, depois de ter realizado as oportunas investigações."
Nuno Alvares, Condestavel do reino, era filho bastardo de um
padre e neto de um
bispo, renegou a
D. Leonor Telles, legitima rainha regente "de jure" (por morte de el-
Rei D. Fernando), que o armara seu escudeiro e acolhera no paço real por "influencia" de D. Iria, mãe de Nuno Alvares, aia de D. Beatriz.
"El
-Rei mandou-os entrar e, ainda á mesa, quis ouvir as novas que traziam. D. Nuno Alvarez interrogado, respondeu que lhe parecia muita gente mal acaudellada, e que pouca gente com bom capitão, bem acaudellada, os poderia desbaratar. Sorriu a Rainha D. Leonor, e agradou-se do mancebo de 13 annos... Pediu ao Rei que lh'o desse para escudeiro... D. Fernando, que nada sabia negar a essa mulher serpentina que o trazia enleado, assentiu. Mais, declarou que tomava o irmão e companheiro para seu cavalleiro. Caprichosamente a Rainha mostrou desejo de, logo alli, armar cavalleiro o seu protegido. Nuno Alvarez estremecia de alegria. Via chegado o ideal que tantas vezes sonhara... Buscaram-se as armas; o arnez, espada, esporas... mas nenhumas havia que servissem ao corpo franzino do donzel. Lembrou-se alguém que as do Mestre de Aviz estavam alli perto. Mandaram-se pedir. Deante do desejo da Rainha suprimiram-se algumas formalidades... A Rainha e as damas da corte cingiram as armas ao jovem escudeiro: o arnez, a espada, as esporas. Toma esta espada, cavalleiro. Exerce com ella o vigor da justiça e derruba o poder da injustiça. Defende com ella a Egreja de Deus e os seus fieis ; dispersa os inimigos do nome christão ; protege as viuvas e os orphãos» O que estiver abatido, levanta-o. O que tiveres levantado, conserva-o. O que está conforme com a ordem, fortalece-o. E' assim que, ufano- e glorioso somente com o triumpho da virtude chegarás ao reino celeste, onde reinarás eterna- mente com o Salvador do mundo». Terminada esta exortação, a própria Rainha erguia-se, tomava a espada real nas mãos, dava com ella três golpes nos hombros do neófito, depois uma leve bofetada na face, dizendo: «Eu te arma cavalleiro em nome de S. Jorge e de S. Miguel. Sê valente, corajoso, leal». Depois coberto com o elmo, tomando o escudo e a lança na maa costumava o novel cavalleiro montar a cavallo c apparecer á porta do templo, deante do povo que o acclamava. D. Nuno ainda meditava na oração do sacerdote. Senhor, dissera elle, é para que a justiça tenha um apoio neste mundo.O furor dos maus um freio, que permittistes -aos homens, por uma disposição particular, o uso da espada.E promettia, de si para si, que tal seria o emprego da que havia recebido. Deus, a Pátria, que passava por uma das suas maiores crises, a justiça que elle via calcada aos pés por essa sociedade em decomposição, se- riam os ideaes que a sua espada havia de de fender. Terminada a ceremonia vinha abraçá-lo o pae, o Prior do Hospital D. Álvaro Gonçalvez Pereira, que lhe communicava a resolução de El-Rei, que a seu pedido lhe fizera a mercê de o tomar «para morador em sua casa, dando-lhe como aio seu tio Martim Gonçalvez de Carva- lhal, escudeiro no paço e irmão da cuvilheira da Infantazinha D. Beatriz, D. Iria Gonçalvez do Carvalhal, mãe de Nuno. Foi esta senhora, dizem as Chronicas, «uma boa e mui nobre mulher e estremada em vida acerca de Deus, de- pois que houve aquelles filhos, e viveu em -grande castidade e abstinência, não comendo carne nem bebendo vinho por espaço de quarenta annos, fazendo grandes esmolas e grandes jejuns, e outros muitos bens. E foi cuvilheira da Infanta D. Beatriz, filha de El-Rei D. Fernando, que depois foi Rainha de Gastella, sendo para ella escolheita por sua grande bondade .Ficava pois Nuno no paço com mais tres pessoas da familia, a mãe, o tio e seu irmão Diogo....Sobre a família e ascendentes de D. Nuno muito se poderia escrever. Contentemo-nos com as palavras de Fernão Lopes que celebra a li nhagem de Nuno, nomeando o seu avô D. Gonçalo Pereira, bom e grande fidalgo, de quem, antes de ser arcebispo de Braga, nasceu o pae de D. Nuno. Gomo dissemos, D. Álvaro Gon- çalvez Pereira foi Prior da Ordem Militar dos Hospitalarios e grande bemfeitor dessa milicia religiosa. Esteve em Rhodes, para prestar ho- menagem ao grão-mestre. Construiu o castello de Amieira, de Bomjardim e de Flor de Rosa, perto do Crato; aqui mandou edificar uma egreja, onde jazem os seus restos mortaes. Foi privado de três reis de Portugal: D. Affonso, D. Pedro e D. Fernando. Teve trinta c dois filhos, sendo D. Nuno o undécimo. "
Foi aliado de João de Avis, filho bastardo de D Pedro, que tomou armas na disputa contra a rainha regente e sua filha ,
D. Beatriz de Portugal, que de acordo com o estabelecido por D. Fernando, quando tivesse um filho varão seria este o herdeiro das coroas de Portugal e Castela .
"Os dois reis ratificavam em pessoa, deante do Legado, em Vallada, o tratado que fora assignado em Santarém pelos enviados dos soberanos aos 19 de março . Eram humilhantes as condições para Portugal, mas não tanto quanto merecia o procedimento in- qualificável de D. Fernando. E o Rei, em vez de tratar da defesa do reino, cm vez de recompensar o heroísmo dos defenso res de Lisboa, mal voltara para ella, movido pelos conselhos de Leonor Telles, mandava levantar forcas para exercer vindicta brutal .Vasquez, alfaiate que, em nome do povo, ousara contrariar o casamento do Rei com a adultera. Outros populares caiam sob a vin- gança da Rainha: a uns coníiscavam-se os bens; a outros decepavam-se os pés e mãos, pelo crime de, dois annos antes, terem querido evitar o mal- fadado casamento. Nuno Alvarez assistia com o coração con frangido a tanta e tão revoltante injustiça. Se o respeito devido á auctoridade regia, a gratidão pela dama que o armara cavalleiro, o obriga vam a guardar silencio, não deixava de desapprovar intimamente taes monstruosidades."Depois de João de Avis se ter proclamado Rei, (
D. João I) Nuno Alvares pegou em armas a favor deste, contra os seus irmãos que continuaram a apoiar a causa legitimista...
"Impellida pelo Prior de Grato e outros irmãos, que estavam em Portalegre, veiu nessa occasião a Lisboa a mãe de Nuno. Trazia a missão de convencer o filho que abandonasse o partido do Mestre; trazia recado do rei de Castella «que todavia deixasse o Mestre e se fosse para El-rey de Castella, que lhe mandava prometter o condado de Viana e outras terras e rendas de que elle fosse assaz contente . Fazia-lhe ver como era assaz precária a si- tuação do Mestre. Assim, não iria adeante. Não valia a pena expor ao insuccesso uma carreira que podia e havia de ser tão lucrativa... D. Nuno res pondeu-lhe: «Que Deus não quizesse que por dadivas e largas promessas elle fosse contra a terra que o criara, mas que antes despenderia seus dias e espargeria seu sangue por emparo delia"
Como líder, planeou brilhantemente técnicas de grandes batalhas e feitos de armas, guerra ofensiva contra o inimigo no seu território, assim como acções de saque e pilhagem sobre as populações da estramadura Castelhana, entre Caceres, Merida e Badajoz.
"D. Nuno entendeu que devia proseguir as operações e e ir buscar o inimigo no seu proprio território. Tomava assim a offensiva, cujo efieito moral forçosamente havia de deprimir o animo dos castelhanos, já profundamente aba- lado com a derrota de Aljubarrota. Reuniu, pois, um exercito, apetrechou-o de tudo o que necessitava para uma invasão e mandou aviso ao inimigo que em breve seria em terra sua. Passou a fronteira em Badajoz, e foi tomando successivamente Almendroal, Par- ra, Zafra, Fuente dei Maestre, Usagre e Villa Garcia. Desde Parra seguia-o o mestre de Alcântara, Barbuda, porem sem lhe dar combate. Esperava melhor occasiáo, que em breve se lhe ia apresentar. Com effeito, em Villa Garcia appareceu um arauto, com recado dos inimigos.
" Esta batalha, porque a iniciativa da invasão, a ordem, o apetrechamento dos toldados, tudo foi exclusivamente dirigido por Nuno. Elle, sem consultar o Rei, havia tomado todas as resoluções. Nella, pois, apparece o homem tal qual é .... Com esta victoria, alcançada em terras hespanholas, com a guerra levada ao coração de Castella, acabava de abater comple tamente o moral dessa Nação. E' certo que para ella contribuiu a inferioridade dos soldados que formavam as hostes castelhanas. As melhores haviam succumbido em Atoleiros, Trancoso e Aljubarrota. As de Valverde, embora numerosas como herva do campo que fazia parecer o exercito português uma eira cercada de cam pos, eram formadas de camponeses, pouco des tros no manejo das armas e nas manobras da guerra. Faltava-lhes mais uma vez a unidade de commando. Os vários fidalgos que as dirigiam estavam separados por invejas, rivalida des, que faziam perder a homogeneidade de vistas, necessária para as batalhas. As próprias chronicas castelhanas inserem, como dia funesto para a sua Pátria, a data desta peleja : ferida a 15 e 16 de outubro de 1385, apenas três meses depois do desastre de Aljubarrota. "Mais tarde, após enviuvar e ter falecido a sua unica filha, recolheu ao Carmo.
"E' preciso não confundir o retiro do Condestavel no Convento do Carmo, com a sua entrada na Ordem Carmelita. Entre um e a outra houve um intervallo de quasi um anno. Em 17 de agosto de 1422 já D. Nuno estava instalado no Convento. Deixara o mundo, mas ainda não vestira o habito, nem revelara a pessoa alguma a sua intenção de o fazer... Como procurador e perpetuo administrador do Convento, cargos que reservara para si quando doara a fundação aos frades, superentendia nas obras lá do alto do miradoiro, situado ao lado da capella-mór, da banda do sul.... Ia dispondo tudo para o adeus completo ao mundo. "
A entronização foi um processo que seguiu aos encontrões; desde a sua beatificação, em 1918, por duas vezes, a Igreja tentou promover a sua canonização, que permite o seu culto universal e não apenas em Portugal, como agora sucede.
Em 1940, o Papa Pio XII tentou «canonizá-lo por decreto» como «exemplo do soldado cristão num tempo de guerra» mas pouco tempo depois optou por um processo normal, alicerçado em milagres ou graças divinas. Na década de 60, a Ordem dos Carmelitas deu um novo fôlego ao projecto mas o início da guerra colonial acabou por fazer fracassar esses intentos, com receio de que fosse mais valorizado o seu papel como soldado do que como religioso... ( ?)
Foi finalmente em 2000 que o processo levou novo alento.
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=12624Tivéssemos nós a sorte de Espanha, que poderiamos catapultar em meia dúzia de anos um conterrâneo para os altares... como foi caso de Josemaría Escrivá de Balaguer que morreu em 1975 e conseguiu subir ( Galgar) os degraus todos até 1982...
Fica a noção de que boas e atempadas escolhas, podem levar quem quer que seja a bons lugares...